CONFESSIONALIDADE BATISTA - EXPIAÇÃO DEFINIDA

Por Rafael Gomes

Texto Base: João 10:11-16

Introdução

Passaremos a tratar de um tema muito espinhoso, porém necessário a um bom entendimento doutrinário, sendo ele a Doutrina da Expiação Definida. E quando citamos o termo “espinhoso” não é pelo que a Bíblia nos ensina, mas pelo que se tornou (ou tem se tornado) a sociedade, que cada vez mais traz o homem para o centro de todas as coisas.

Falarmos sobre a doutrina da Expiação é necessário para compreendermos a abrangência do sacrifício de Jesus, realizado na cruz do Calvário. Isso porque há um ponto de debate aqui nesse quesito, onde uns defendem a abrangência irrestrita ou indefinida, logo, alcançando a todos os pecadores. Nós, porém, historicamente não confessamos dessa forma, tendo em vista o fato de crermos que a morte vicária de Jesus abrange, não a todos os homens irrestritamente, mas a todos os eleitos de Deus em todos os tempos.

Se professamos que o Senhor elegeu um povo, então devemos crer que Ele mesmo assegura a salvação desse povo, provendo a obra expiatória com plena eficácia. Dessa forma, temos a certeza de que sobre a Igreja de Cristo repousa, de maneira perfeita, a justiça do Cordeiro, que cobre todos os santos com o sangue remidor.

Sendo assim, de forma resumida podemos dizer que a obra expiatória na qual cremos é Definida em sua abrangência (todos os eleitos), e Infinita em sua eficácia e valor (nos lava de todo pecado).

Ponto de Partida

Nosso estudo começa partindo da compreensão de que a nossa ofensa é infinita, sabendo que ela se apresenta perante a Infinita Majestade do Deus Triúno. Ou seja, nosso pecado merece a justa punição proveniente do Justo Deus.

A justiça de Deus clama pela morte de toda alma que comete pecado (Ezequiel 18:4), sabendo que o salário do pecado é a morte (Romanos 6:23). No entanto, frente a esse clamor, não há como satisfazermos plenamente a justiça divina sem que nosso corpo e alma pereçam, não somente nesta era, mas também no tempo vindouro.

A partir dessa realidade chegamos à conclusão de que precisamos, irremediavelmente, de um mediador, logo, alguém perfeitamente apto para assumir o papel de fiador entre a humanidade pecadora e o Deus Triplamente Santo, do contrário não teríamos escapatória. Esse mediador, por questões óbvias, não pode ser maculado pelo pecado inerente à raça humana, contudo, é necessário que seja humano para que responda em nosso favor diante do Pai.

Pois é nesse contexto que temos em Cristo o nosso Mediador, o Fiador da Nova Aliança firmada em Seu precioso sangue, derramado em favor de nós, pecadores (1 Coríntios 11:25; Hebreus 8:6; 9:11,12). O Cordeiro de Deus, também conhecido como o "segundo Adão" (Romanos 5:12-21; 1 Coríntios 15:45-57), é nascido de mulher, mas concebido do Espírito Santo, reunindo as duas naturezas (humana e divina) em Seu ser. O sangue do Justo Cordeiro de Deus é derramado de forma a proporcionar expiação por nossos pecados, atendendo ao perfeito padrão de justiça do nosso Deus.

Portanto, passemos ao exame do texto dos Cânones de Dort. Nesta oportunidade, visitaremos o capítulo 2, que trata sobre a Expiação Definida, abordando a Morte de Cristo e a Redenção do Homem.

Abordando os Cânones de Dort

CAPÍTULO II

A MORTE DE CRISTO E A REDENÇÃO DO HOMEM

Art.1. Deus é não só supremamente misericordioso mas também supremamente justo. E como Ele se revelou em sua Palavra, sua justiça exige que nossos pecados, cometidos contra sua infinita majestade, sejam punidos nesta vida e na futura, em corpo e alma. Não podemos escapar destas punições a menos que seja cumprida a justiça de Deus. (Êxodo 34:6,7; Romanos 5:16; Gálatas 3:10)

Art.2. Por nós mesmos, entretanto, não podemos cumprir tal satisfação nem podemos livrar a nós mesmos da ira de Deus. Por isso Deus, em sua infinita misericórdia deu seu Filho único como nosso Fiador. Por nós, ou em nosso lugar, Ele foi feito pecado e maldição na cruz para que pudesse satisfazer a Deus por nós. (Romanos 5:8; 2 Coríntios 5:21; Gálatas 3:13)

Art.3. Esta morte do Filho de Deus é o único e perfeito sacrifício pelos pecados, de valor e dignidade infinitos, abundantemente suficiente para expiar os pecados do mundo inteiro.


O artigo 3 demonstra o caráter abundante e infinito do sacrifício de Jesus. Contudo, sabemos que somente aqueles que se apropriam desse sacrifício é que encontram verdadeira expiação para seus pecados (Hebreus 9:28). Embora a expiação esteja diante de todos os homens (1 João 2:2), de fato somente os que creem serão eficazmente justificados e redimidos por meio dela (João 1:12; Hebreus 10:14).

Art.5. A promessa do Evangelho é que todo aquele que crer no Cristo crucificado não pereça mas tenha vida eterna. Esta promessa deve ser anunciada e proclamada sem discriminação a todos os povos e a todos os homens, aos quais Deus em seu bom propósito envia o Evangelho, com a ordem de se arrepender e crer. (Mateus 28:19; João 3:16; Atos 2:38; 16:31; 1 Coríntios 1:23)
Art.6. Muitos que têm sido chamados pelo Evangelho não se arrependem nem crêem em Cristo, mas perecem na incredulidade. Isto não acontece por causa de algum defeito ou insuficiência no sacrifício de Cristo na cruz, mas por causa de sua própria culpa. (Salmo 95:11; Mateus 22:14; Hebreus 4:6)

Art.7. Mas aqueles que verdadeiramente crêem e, pela morte de Cristo, são libertos e salvos dos seus pecados e perdição, recebem tal benefício apenas por causa da graça de Deus, que lhes é dada, em Cristo, desde a eternidade. Deus não deve a ninguém tal graça.(2 Coríntios 5:18; Efésios 2:8,9)

É nosso dever, como Igreja de Cristo, anunciar o sacrifício de Jesus, bem como todas as bênçãos oriundas desse ato gracioso e poderoso do nosso Salvador, a todas as pessoas. É desejo de Deus que todos cheguem ao conhecimento da verdade que salva e liberta (1 Timóteo 2:4). Justamente por não sabermos quem são os eleitos de Deus, temos a missão de pregarmos o evangelho a todos os povos (Marcos 16:15), sem acepção de pessoas (Atos 10:34).

No entanto, é preciso reconhecermos que há aqueles que, deliberadamente, permanecem na incredulidade do seu estado natural. Esses são os que rejeitam a expiação oferecida por Jesus. E essa mesma expiação é oferecida a todos os homens de maneira que, nenhum de nós esteja apto a dizer que o Cordeiro não foi ofertado, ou que a justiça em nosso favor não foi executada. A Palavra mesma diz “buscai ao Senhor enquanto se pode achar” (Isaías 55:6), de forma que a oferta foi feita de uma vez por todas, e toda carne que recusá-la, receberá em si a justa punição pelos próprios pecados, tendo rejeitado a obra expiatória de Cristo.

Sobre quem, de fato, está a Justificação?

Art.8. Pois este foi o soberano conselho, a vontade graciosa e o propósito de Deus o Pai, que a eficácia vivificante e salvífica da preciosíssima morte de seu Filho fosse estendida a todos os eleitos. Daria somente a eles a justificação pela fé e por conseguinte os traria infalivelmente à salvação. Isto quer dizer que foi da vontade de Deus que Cristo por meio do sangue na cruz (pelo qual Ele confirmou a nova aliança) redimisse efetivamente de todos os povos, tribos, línguas e nações, todos aqueles e somente aqueles que foram escolhidos desde a eternidade para serem salvos, e Lhe foram dado pelo Pai. Deus quis que Cristo lhes desse a fé, que Ele mesmo lhes conquistou com sua morte, junto com outros dons salvíficos do Espírito Santo. Deus quis também que Cristo os purificasse de todos os pecados por meio do seu sangue, tanto do pecado original como dos pecados atuais, que foram cometidos antes e depois de receberem a fé. E que Cristo os guardasse fielmente até ao fim e finalmente os fizesse comparecer perante o próprio Pai em glória, "sem mácula, nem ruga". (Lucas 22:20; João 10:28; 17:9; Ef 5:25-27; Filipenses 1:29; Hebreus 8:6; 1 João 1:7; Apocalipse 5:9).

Aqui dizemos que a expiação de Cristo é definida em sua aplicação, pois de fato, somente os eleitos de Deus são os que se apropriam dela, por meio da fé dada a cada um de nós graciosamente. Embora a oferta seja geral, a eficácia está limitada aos que creem.

Contudo, é preciso compreendermos que, de modo algum os eleitos são merecedores desse benefício, mas são agraciados com a fé salvífica necessária para dizerem “sim” a essa tão grande obra de libertação.

Não fosse a graça de Deus em dar-nos gratuitamente o dom da fé, jamais teríamos caminhado em Sua direção.

Sendo assim, concluímos que o fato da obra expiatória ser aplicada somente aos eleitos de Deus, àqueles que de fato foram chamados para a fé verdadeira em Cristo Jesus, de maneira alguma demonstra injustiça da parte do Senhor, pelo contrário. Ele tem todo o direito de condenar a todos, mas decidiu salvar alguns. Ainda que esta salvação fosse ofertada somente a uma pessoa, já seria motivo mais que suficiente para louvarmos a glória da Sua graça! E se Ele tivesse condenados a todos, Sua justiça seria louvada do mesmo jeito. De maneira que, o nome do Senhor é exaltado de uma forma ou de outra.

Implicações Práticas à Vida

1.Reconhecimento de nossa miséria diante de Deus - Todos nós nos desviamos da vontade do Senhor, e ofendemos constantemente a Sua santidade, afrontando a Majestade do nosso Deus com nossas práticas, pensamentos e desejos pecaminosos. Não temos condição alguma de atendermos ao elevadíssimo padrão da justiça de Deus, e precisamos reconhecer a nossa completa pobreza espiritual diante dEle, recebendo com alegria a vida ofertada por Jesus;

2.Reconhecimento da ofensa que cometemos - O pecado é algo tão terrível que foi necessário o Justo padecer na cruz em nosso lugar. O sangue de Jesus é precioso demais para continuarmos a viver nossas vidas de forma mesquinha e cheia de vícios. É preciso reconhecermos o peso de nossa ofensa, e o quanto Jesus sofreu para nos garantir Sua justiça;

3.Louvor genuíno por grande justiça manifesta - Sabendo que nossos pecados exigem punição divina, reconhecemos que essa punição recaiu justamente sobre Cristo. Ele, sendo em forma de Deus, suportou todo o peso da Justa Ira do Deus Vivo. Louvemos a Deus que não deixou (não deixa, e não deixará) o pecado impune. Ele faz justiça verdadeira, e devemos louvá-lO por isso.

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