Por Solano Portela
A tragédia de Santa Maria está na
mente de todos os brasileiros. Mais de 230 mortes - a maioria de jovens,
deixando centenas de famílias enlutadas, como consequência do terrível
incêndio. O que era uma noite de diversão transformou-se em um rio de
lágrimas que transborda por todo o país. Mais uma
vez, as últimas viradas de anos têm sido marcada por tragédias. Em
janeiro de 2011, avalanches de terra e enchentes ceifaram centenas de
vidas, na região serrana do Rio. Em 2008/2009 foram inundações e
deslizamentos assoladores em Santa Catarina. Na transição 2009/2010
tivemos também mortes e prejuízos causados pelas águas, no sudeste do
Brasil. Naquela ocasião escrevíamos, também, sobre o terremoto no Haiti e
choramos com o conseqüente sofrimento chocante e intenso daquele evento
que dizimou cerca de 200 mil pessoas. Três anos depois, aquele povo
ainda geme com a orfandade, dissolução social, promessas não cumpridas
pela "comunidade internacional" e com a extrema e endêmica corrução
arraigada naquela terra. Isso porque ainda não nos saiu da memória o
Tsunami de 26.12.2004, no Oceano Índico, quando pereceram cerca de 220
mil pessoas, situação recentemente lembrada no filme "O Impossível".
Enquanto vemos as cenas
de dor e tristeza, e avaliamos tudo isso, somos levados às Escrituras
para procurar alguma compreensão trazida pelo próprio Deus, para esses
desastres. É no meio dessas circunstâncias que decidimos recolocar aqui
alguns pensamentos que já foram expressos neste Blog [O Tempora, O Mores] em posts
anteriores.
Na ocorrência de tragédias devemos resistir à
tentação de procurar respostas que diminuem a bíblica soberania e
majestade de Deus, e conseqüentemente não fazem justiça à sua pessoa, ou
aquelas que nos colocam com Deus - pontificando um julgamento divino
sobre a situação imediata da ocorrência. Tais “explicações”,
“conclusões” e “construções” aparentam ser plausíveis, mas revelam-se
meramente humanas, pois contrariam a revelação das Escrituras. Esses
tipos de respostas sempre aparecem, quando ocorrem desastres; quando
diversas vidas são ceifadas e pessoas que estavam entre nós desaparecem,
de uma hora para outra. Interpretações estranhas dessas circunstâncias
não são novidade e nem têm surgido apenas em nossos dias.
Por exemplo, em novembro de 1755 a cidade
de Lisboa foi praticamente arrasada por um grande terremoto. A
conclusão emitida por padres jesuítas foi a de que: “Deus julgou e
condenou Lisboa, como outrora fizera com Sodoma”. Voltaire (François
Marie Arouet), que era um deísta, escreveu em 1756 “Poemas sobre o
desastre em Lisboa”. Ali, ele culpa a natureza e a chama de malévola,
deixando no ar questionamentos sobre a benevolência de Deus. Jean
Jacques Rousseau, respondeu com “Carta sobre a providência”. Nela ele
culpa “o homem” como responsável pela tragédia. Ele aponta que, em
Lisboa, existiam “20 mil casas de seis ou sete andares” e que o homem
“deveria ter construído elas menores e mais dispersas”. Ou seja,
procurando “inocentar a Deus e a natureza” ele coloca a agência da
tragédia no desatino dos homens, de maneira bem semelhante à que os
especialistas contemporâneos e comentaristas da mídia adoram fazer.[1]
Quando do
terremoto no Haiti, à semelhança do que ocorreu no Tsunami, alguns
depoimentos de pastores, que li, falavam sobre a “mão pesada de Deus, em
julgamento”; opinião semelhante à emitida quando do acidente com o
avião que transportava o grupo “Mamonas Assassinas”, em 1996. No entanto, nenhuma pessoa tem essa capacidade de julgamento, que reflete apenas orgulho e prepotência.
Mas outros procuram uma teologia estranha às Escrituras,
para “isolar” Deus da regência da história. São os mesmos que, quando
da ocorrência do Tsunami e do acidente ocorrido com o Vôo 447 da Air
France em junho de 2009, emitiram a seguinte conclusão: “Diante de uma
tragédia dessa magnitude, precisamos repensar alguns conceitos
teológicos” (veja as reflexões sobre esse último desastre, no post do Augustus Nicodemus, no blog O Tempora, O Mores!). No entanto, em vez de formularmos nossa teologia pelas experiências, voltemo-nos ao ensinamento do próprio Jesus.
Graças a Deus que temos, em Lucas 13.1-9, instrução pertinente sobre como refletir sobre desastres e tragédias. A primeira tragédia tratada é aquela gerada por homens (Vs
1-3). Certos galileus haviam sido mortos por soldados de Pilatos. A
Bíblia diz que “alguns” colocaram-se como críticos e juízes (a resposta
de Jesus infere isso); deduziram que aqueles que haviam sofrido
violência humana, sangue derramado por armas (um paralelo às situações
que vivemos nos nossos dias) seriam mais pecadores do
que os demais. No entanto, o ensino ministrado pelas Escrituras é o
seguinte: Não vamos nos colocar no lugar de Deus. Não vamos nos
concentrar em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas. Jesus,
em essência diz: cuidem de si mesmos! Constatem os seus pecados! Arrependam-se!
Mas ele nos traz,
também, um segundo tipo de tragédias. Esta que é referida é semelhante,
guardadas as proporções, a essas enchentes e deslizamentos, ou ao
terremoto do Haiti. São tragédias classificadas como “fatalidades”.
Jesus fala da Torre de Siloé. O texto (Vs 4-5) diz que ela desabou,
deixando 18 mortos. Jesus sabia que mesmo quando, aos nossos olhos,
mortes ocorrem como conseqüência de acidentes, isso não impede que
rapidamente exerçamos julgamento; não impede que tentemos nos colocar no
lugar de Deus. E Jesus pergunta, sobre os que pereceram: “Acham que
eram mais culpados do que todos os demais habitantes da
cidade”? O ensino é idêntico: Não se coloquem no lugar de Deus; não se
concentrem em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas; cuidem de si mesmos! Constatem a sua culpa! Arrependam-se!
O surpreendente é que
Jesus passa a ilustrar o seu ensino com uma parábola (Vs.6-9). Ele fala
de uma figueira sem fruto. Aparentemente, a parábola não teria relação
com as observações prévias, mas, na realidade, tem. Ela nos ensina que
vivemos todos em “tempo emprestado” pela misericórdia divina. O texto
nos ensina que:
• Figueiras existem para dar frutos -
o homem vinha procurar frutos - essa era sua expectativa natural. Todos
nós fomos criados para reconhecer a Deus e dar frutos. Esse é o nosso
propósito original.
• Figueiras sem frutos “ocupam inutilmente a terra”. O corte é iminente, e justificado a qualquer momento.
• O escape: É feito
um apelo para que se espere um pouco mais, na esperança de que, bem
cuidada e adubada, a figueira venha a dar fruto e escape do corte.
• Lições para o vizinho?
Jesus não apresenta a figueira como um paralelo para fazermos uma
comparação com outras pessoas – cujas existências foram ceifadas como
vítimas de violência ou fatalidades. Ele quer que nos concentremos em
nós mesmos, em nossas próprias vidas, pecados e na necessidade de
arrependimento.
• Tempo emprestado:
O que ele está ensinando e ilustrando, aqui, é que nós, você e eu, como
os habitantes de Santa Maria, as vítimas do Tsunami, na Ásia, ou os
habitantes do Haiti, vivemos em tempo emprestado; vivemos pela
misericórdia de Deus; vivemos com o propósito de frutificar, de agradar o
nosso proprietário e criador.
Creio que a conclusão desse
ensino, é que, conscientes da soberania de Deus e de que ele sabe o que
deve ser feito, não devemos insistir em procurar grandes explicações
para as tragédias e fatalidades. Jesus nos ensina que teremos aflições
neste mundo (João 1.33) - essa é a norma de uma criação que geme na
expectativa da redenção. 1 Pe 4.19 fala dos que sofrem segundo a vontade
de Deus. Lemos que não devemos ousar penetrar nos propósitos
insondáveis de Deus; não devemos “estranhar” até o “fogo ardente” (1 Pe
4.12).
Assim, as tragédias, desde as locais pessoais até as gigantescas, de características nacionais e internacionais, são lembretes da nossa fragilidade; de que a nossa vida é como vapor; de que devemos nos arrepender dos nossos pecados; de que devemos viver para dar frutos.
Também, não cometamos o erro de
diminuir a pessoa de Deus, indicando que ele está ausente, isolado,
impotente. Como tantas vezes já dissemos, “Deus continua no controle”.
Lembremos-nos de Tiago 4.12: “um só é legislador e juiz - aquele que
pode salvar e fazer perecer”. Não sigamos, portanto, nossas “intuições”,
no nosso exame dos acontecimentos, mas a Palavra de Deus. Como nos
instrui 1 Pe 4.11: “ se alguém falar, fale segundo os oráculos de Deus”.
Em adição a tudo isso, não podemos
cometer o erro de ser insensíveis às tragédias - Pv 17.5 diz: “o que se
alegra na calamidade, não ficará impune”; mesmo perplexos, sabendo que não somos juízes nem videntes.
Devemos nos solidarizar com as vítimas, na medida do possível e
atravessar portas de contato e transmissão das boas novas divinas
àqueles que Deus venha, porventura, colocar em nosso caminho.
[1] Folha de S. Paulo 28/12/2004; Jornal do Commércio - Recife - 2/1/2005, de onde foram extraídas as citações desse trecho.
Fonte: Blog O Tempora, O Mores