Um
amigo no Twitter me perguntou se Filipenses 1:18 não justificaria o
evangelho gospel e o show gospel. Acho que ele tinha em mente o festival
gospel na Globo e a hipotética novela da Globo com uma heroína
evangélica.
Para quem não lembra, Paulo diz o seguinte em Filipenses 1:15-18:
“Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; estes, por amor, sabendo que estou incumbido da defesa do evangelho; aqueles, contudo, pregam a Cristo, por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às minhas cadeias. Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei” (Fp 1:15-18).
A interpretação popular desta passagem, especialmente desta frase de Paulo no verso 18, “Todavia,
que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado,
quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim,
sempre me regozijarei” – é que para o apóstolo o importante era que o
Evangelho fosse pregado, não importando o motivo e nem o método. A
conclusão, portanto, é que podemos e devemos usar de todos os recursos,
métodos, meios, estratégias, pessoas – não importando a motivação delas –
para pregarmos a Jesus Cristo. E que, em decorrência, não podemos
criticar, condenar ou julgar ninguém que esteja falando de Cristo e
muito menos suas intenções e metodologia. Vale tudo.
Então,
tá. Mas, peraí... em que circunstâncias Paulo disse estas palavras? Se
não me engano, Paulo estava preso em Roma quando escreveu esta carta aos
filipenses. Ele estava sendo acusado pelos judeus de ser um rebelde, um
pervertedor da ordem pública, que proclamava outro imperador além de
César.
Quando
os judeus que acusavam Paulo eram convocados diante das autoridades
romanas para explicar estas acusações que traziam contra ele, eles
diziam alguma coisa parecida com isto: “Senhor juiz, este homem Paulo
vem espalhando por todo lugar que este Jesus de Nazaré é o Filho de
Deus, que nasceu de uma virgem, que morreu pelos nossos pecados e
ressuscitou ao terceiro dia, e que está assentado a direita de Deus,
tendo se tornado Senhor de tudo e de todos. Diz também que este Senhor
perdoa e salva todos aqueles que creem nele, sem as obras da lei. Senhor
juiz, isto é um ataque direto ao imperador, pois somente César é
Senhor. Este homem é digno de morte!”
Ao fazer estas acusações, os judeus, nas próprias palavras de Paulo, “proclamavam a Cristo por inveja e porfia... por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às minhas cadeias” (verso 17).
Ou seja,
Paulo está se regozijando porque os seus acusadores, ao final, no
propósito de matá-lo, terminavam anunciando o Evangelho de Cristo aos
magistrados e autoridades romanos.
Disto
aqui vai uma looooonga distância em tentar usar esta passagem para
justificar que cristãos, num país onde são livres para pregar, usem de
meios mundanos, escusos, de alianças com ímpios e de estratégias no
mínimo polêmicas para anunciar a Cristo. Tenho certeza que Paulo jamais
se regozijaria com “cristãos” anunciando o Evangelho por motivos
escusos, em busca de poder, popularidade e dinheiro, pois ele mesmo
disse:
“Porque
nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus;
antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da
parte do próprio Deus” (2Co 2:17).
“Pelo
que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita,
não desfalecemos; pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por
vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a
palavra de Deus; antes, nos recomendamos à consciência de todo homem, na
presença de Deus, pela manifestação da verdade” (2Co 4:1-2).
“Ora,
o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração
puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia. Desviando-se algumas
pessoas destas coisas, perderam-se em loquacidade frívola, pretendendo
passar por mestres da lei, não compreendendo, todavia, nem o que dizem,
nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações” (1Ti 1:5-7).
“Se
alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada
entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que
nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações
sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade,
supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Ti 6:3-5).
“Eu,
irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus,
não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria. Porque decidi
nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E foi em
fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra
e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de
sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa
fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2:1-5).
Portanto, usar Filipenses 1:18 para justificar esta banalização pública do Evangelho é usar texto fora do contexto como pretexto.